Umberto Eco - Confissões de um jovem romancista

Literatura italiana
Umberto Eco - Confissões de um jovem romancista - Editora Record - 154 Páginas - Tradução de Clóvis Marques - Lançamento: 02/04/2018. 

Somente quando estava próximo a completar 50 anos, Umberto Eco (1932-2016) conseguiu tempo para finalmente escrever o seu primeiro romance, O nome da rosa, publicado em 1980 e que viria a se tornar um dos raros casos de sucesso mundial de vendas e qualidade literária, talvez impulsionado pela adaptação para o cinema. O fato é que o italiano Umberto Eco, que já tinha uma carreira consolidada nos meios acadêmicos como filósofo e linguista, além de bibliófilo nas horas vagas, tornou-se repentinamente um romancista de sucesso.

Confissões de um jovem romancista é composto por quatro ensaios incluídos como parte do programa de palestras Richard Ellmann sobre Literatura Moderna, na Universidade Emory, em Atlanta, Estados Unidos. Apesar do conhecimento enciclopédico do autor, assim como a sua extensa produção acadêmica e teórica na área de semiologia, o texto é acessível e muito bem-humorado, recomendado para escritores e leitores da boa literatura em geral, embora seja difícil definir o que seja tal coisa.
"Estas conferências intitulam-se 'Confissões de um jovem romancista' — e caberia perguntar por que, já que me encaminho para meu 77º ano. Acontece que publiquei meu primeiro romance, 'O nome da rosa', em 1980, o que significa que comecei minha carreira de romancista há apenas 28 anos. Assim, considero-me um romancista muito jovem e certamente promissor, que até agora publicou apenas cinco romances e publicará muitos outros nos próximos cinquenta anos. Esta obra em andamento ainda não foi concluída (caso contrário não estaria em andamento), mas espero já ter reunido experiência suficiente para dizer algumas palavras sobre a maneira como escrevo. Em sintonia com o espírito das Palestras Richard Ellmann, devo me concentrar em minha ficção, e não em meus ensaios, embora me considere um acadêmico por profissão, e um romancista apenas amador." (Pág. 7)
O título do primeiro ensaio: "Escrevendo da esquerda para a direita", é uma referência a uma resposta jocosa que Umberto Eco costumava dar para alguns entrevistadores desavisados quando lhe perguntavam: "Como você escreveu seus romances?". Nesta parte, Eco descreve a importância do esforço em detrimento da "inspiração", na sua opinião uma palavra ruim que "é usada por autores manhosos para parecerem artisticamente respeitáveis" ou ainda citando o clássico provérbio: "a genialidade é 10% inspiração e 90% transpiração". Sempre fazendo comparações com os processos criativos de seus próprios romances, ele declara com grande sinceridade que "não faz parte desse bando de maus escritores que afirmam escrever apenas para si mesmos. As únicas coisas que os escritores escrevem para si mesmos são listas de compras". Realmente me parece muito pouco provável que um romance, seja ele qual for, possa prescindir da experiência de interpretação de cada leitor.

Na segunda parte, "O autor, o texto e os intérpretes", Eco nos fala sobre as diferenças entre a intenção do autor, a intenção do leitor e a intenção do texto. Utilizando como exemplos obras consagradas da literatura como "Finnegans Wake" de James Joyce, ele fala sobre os limites da interpretação para concluir que "todo ato de ler é uma complexa transação entre a competência do leitor (o conhecimento do mundo adquirido pelo leitor) e o tipo de competência que determinado texto postula para ser lido de um modo 'econômico' — significando uma maneira que aumente a compreensão e o prazer do texto, e que seja corroborada pelo contexto (...) Entre a inatingível intenção do autor e a contestável intenção do leitor, há a transparente intenção do texto, que refuta interpretações insustentáveis."

No terceiro ensaio, "Algumas observações sobre os personagens fictícios", Umberto Eco tenta explicar como podemos considerar Hamlet mais real do que nosso porteiro e chorar pelo triste final de Emma Bovary ou Anna Karenina. Ele utiliza a seguinte citação de Alexandre Dumas: "É prerrogativa dos romancistas criar personagens que matam os personagens dos historiadores. O motivo é que os historiadores evocam meros fantasmas, ao passo que os romancistas criam gente de carne e osso". Afinal, por que sentimos tamanha aflição por pessoas que nunca existiram? Uma interessante comparação de Eco pode nos ajudar a entender este processo: "Se há ilusões de ótica, nas quais vemos determinada forma como maior que outra, apesar de saber que têm exatamente o mesmo tamanho, por que não haveria também ilusões emocionais?".
"A verdadeira lição de 'Moby Dick' é que a Baleia vai para onde Ela quer. A natureza irrefutável das grandes tragédias decorre do fato de que seus heróis, em vez de escapar de um destino cruel, mergulham no abismo - que cavaram com as próprias mãos , pois não têm ideia do que os espera; e nós, que vemos claramente para onde estão indo tão cegamente, não temos como detê-los. Temos acesso cognitivo ao mundo de Édipo, e tudo sabemos sobre ele e Jocasta  mas eles, apesar de viverem num mundo que depende parasitariamente do nosso, nada sabem a nosso respeito. Os personagens fictícios não podem se comunicar com as pessoas do mundo real. (...) Não é uma questão assim tão extravagante quanto parece. Por favor, tente levá-la a sério. Édipo não é capaz de conceber o mundo de Sófocles  caso contrário, não acabaria casando com a mãe. Os personagens fictícios vivem num mundo incompleto, ou  para ser mais duro e politicamente incorreto - 'deficiente'. (...) A ficção dá a entender que talvez nossa visão do mundo real seja tão imperfeita quanto a visão que os personagens fictícios têm do seu mundo. Por isto é que os personagens fictícios bem-sucedidos tornam-se exemplos da 'real' condição humana." (Págs. 78 e 79)
Na conclusão, o ensaio "Minhas listas" trata do poder das palavras e da retórica da enumeração com exemplos que variam da poesia de Wislawa Szymborska até a Ilíada de Homero, passando novamente por trechos dos próprios romances de Umberto Eco, tais como: O nome da rosaO pêndulo de Foucault, A ilha do dia anterior e Baudolino. Enfim, um livro carregado de erudição, mas que se lê com muito prazer, em um fenômeno parecido com o daquele professor que conhece tão bem a matéria que acaba passando a impressão de simplicidade. Uma obra dedicada não somente aos romancistas em busca do texto perfeito, mas a todos aqueles apaixonados pela magia da ficção, como eu e você!

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